15 março de 2021 Marcus Monteiro
Sem pretender aprofundar em questões de ordem sociológica ou filosófica, fato é que os animais são importantes companhia para um número cada vez maior de pessoas, que os consideram verdadeiros "integrantes da família". Essa questão social, obviamente, reflete no cotidiano dos condomínios. É cada vez mais comum a presença de animais de estimação em apartamentos, principalmente cachorros.
Normalmente, quando se fala em animais de estimação como peixes, pássaros e até mesmo gatos, não se costuma registrar maiores problemas nos condomínios. O mesmo, infelizmente, já não se pode dizer dos nossos queridos amigos caninos que, algumas vezes, viram foco de desavenças, principalmente em razão do volume e constância do seu latido.
Por ser, de fato, muito comum a presença de cachorros em apartamentos, a maioria dos condomínios e de suas convenções não apresentam impedimento à presença dos animais. Todavia, existem condomínios onde a convenção e o regimento interno proíbem suas presenças. Ocorre que referidas regras proibitivas são indevidas e afrontam a Lei, não sendo acolhidas pelo Poder Judiciário.
CONVENÇÃO, REGIMENTO INTERNO OU SÍNDICO NÃO PODEM PROIBIR ANIMAIS
O entendimento pacificado no Poder Judiciário é o de que as convenções condominiais e/ou os regimentos internos não podem proibir o morador de possuir um animal de estimação. A uma pelo fato do Poder Judiciário também compartilhar da visão sociológica, de costumes, sobre o tema. A duas, em razão da observância ao direito de propriedade. O Código Civil, em seu artigo 1.228, garante ao proprietário o direito de usar e gozar de seu bem.
Já a Lei 4.591/64, em seu artigo 19, garante ao condômino o direito de usar e usufruir de sua unidade de acordo com suas conveniências e interesses: "Lei 4.591/64 Art. 19. Cada condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionados, umas e outros às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais condôminos e moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos".
Assim, nem a convenção e o regimento interno, e muito menos o síndico por sua própria vontade, podem proibir o morador de ter um animal de estimação. Ainda que exista regra na convenção ou no regimento interno proibindo a presença de animais no condomínio,. tal regra é ilegal e sem validade, posto que contraria o Código Civil, a Lei 4.591/64 e a própria Constituição Federal, que garante a todos o direito de propriedade e seu livre exercício. Obviamente uma convenção condominial ou um regimento interno não podem confrontar e prevalecer sobre as Leis.
DO BOM SENSO E DO DIREITO AO SOSSEGO
Em todas as situações há de se levar sempre em conta o velho brocardo que diz que "o direito de uma pessoas termina quando começa o da outra.....". O próprio citado artigo 19 da Lei 4.591/64, que garante o direito do condômino de usar e fruir da sua unidade, é claro ao ressaltar que o condômino não poderá "causar dano ou incômodo aos demais condôminos ou moradores" .
O Código Civil também coíbe que a propriedade seja utilizada de forma a prejudicar o sossego, a segurança e a saúde da coletividade. Inclusive, por meio de seu artigo 1.277, garante o direito do morador de fazer cessar o incômodo ou o risco: "Código Civil. Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha".
O que deve prevalecer, sempre, é o bom senso e o respeito ao direito de vizinhança. Não ´é razoável que o tutor do animal deixe, por exemplo, que seu cachorro fique latindo a noite inteira, prejudicando o sono e o descanso dos vizinhos. Ou que permita que o cachorro fique trancado e sozinho, latindo o dia inteiro, prejudicando o sossego, os estudos e o trabalho dos demais moradores. Ou, ainda, que tenha o desleixo de permitir que seu animal circule sujando os corredores, hall e outras áreas comuns do condomínio, ou que fique solto incomodando e até mesmo ameaçando a integridade física de outras pessoas.
Assim, em que pese o direito do morador em ter um animal de estimação, caso este animal não seja devidamente cuidado e passe realmente (de forma justificada e provada) a incomodar outras pessoas, prejudicando o sossego e pondo em risco a saúde e segurança, medidas poderão ser tomadas tanto administrativamente pelo condomínio (notificação e aplicação de multas), como na esfera judicial pelo condomínio ou pelo morador que se sentir prejudicado (o Poder Judiciário poderá decidir pela retirada do animal que esteja afetando o sossego, a saúde e a segurança da coletividade).
Por fim, duas últimas questões merecem ser esclarecidas em relação aos cachorros nos condomínios: 1ª- Não é válida regras que autorizem a presença de cachorros de pequeno porte (raças menores) e proíbam a presença de cachorros de raças maiores. Às vezes, um cão de raça menor pode incomodar muito mais do que um de uma raça maior. A questão não é o tamanho da raça, mas se o animal causa ou não incômodo ou risco à segurança física e à saúde dos demais moradores. 2ª - Nenhum morador pode ser obrigado a carregar seu cão no colo, o que constitui ato vexatório, passível de indenização. Cláusula condominial neste sentido é abusiva e inválida. O animal pode transitar pelo chão, corredores, entrada social, elevador etc. Obviamente, o tutor deverá tomar os cuidados com a segurança física dos demais moradores, bem como evitar que o animal deixe sujeira nas áreas comuns.
Acima de tudo, é preciso bom senso e responsabilidade por parte de todos! Os donos, ou melhor, tutores dos animais, têm direitos e deveres. Têm direito a ter seu animal de estimação e a convenção/regimento interno não podem proibir. Todavia, quem quer ter um animal de estimação precisa ter um mínimo de tempo e condição para cuidar e não permitir que a coletividade seja incomodada. Conforme ressaltado, animais não são "coisas" e não podem ser tratados como tais. Merecem dos devidos respeito e cuidados!
Marcus Monteiro, advogado especialista em Direito Condominial e Imobiliário. OAB/MG 121.317. Tel./Whats.: (31) 99504-4541. E-mail: marcus@marcusmonteiro.adv.br. Blog: marcusmonteiro.adv.br. Insta e Face: marcusmonteiroadvogado.